O presente artigo pretende fazer uma descrição dos procedimentos do professor diante da tarefa de promover a aprendizagem significativa. Partindo de uma rápida reflexão sobre o contexto atual do processo de aprender, faz um relato das principais atitudes que o professor deve adotar para, de fato promover a aprendizagem significativa de seus alunos.
A idéia de que o mundo está pronto e de que nele reside a reserva de conhecimento (igualmente pronto) que precisamos adquirir construiu e manteve, durante séculos, uma escola totalmente adaptada a esse modelo. Descrever o mundo, seus fenômenos, processos e caracterizar os métodos e técnicas de intervenção nesse mundo sempre foram o principal papel da escola. Tudo sempre esteve muito bem “arrumadinho”: professor ensina algo inquestionável, aluno aprende e reproduz exatamente como aprendeu e todos são felizes para sempre, como nos contos de fada. Mas esse conto continua e depois do “final feliz”, tem início um período sombrio, recheado de incertezas, novos paradigmas e impulsionado pela mudança cada vez mais intensa e freqüente.
A concepção sócio construtivista de conhecimento instalou o pânico nas salas de aula.
Como abrir mão de um referencial de conhecimento enquanto poder e desconstruir toda uma perspectiva de objetividade? Como deixar de ser um bom professor porque sabe o conteúdo e passar a ser um bom professor porque sabe facilitar a aprendizagem? Como aprender uma postura transcultural, fenomenológica e dialógica diante do aluno? Como conjugar na prática o verbo interagir? Essas questões estão na base da construção do real papel do professor diante de uma aprendizagem significativa.
Alguns comportamentos essenciais marcam essa postura e colaboram para garantir uma aprendizagem significativa. Vamos analizá-los:
Pare de dar aulas!
Por mais estranho que possa parecer, esse é o principal comportamento a ser adquirido. Paulo Afonso Caruso Ronca (1996) faz o questionamento perfeito sobre essa situação: “Se o papel do professor é dar aulas, enquanto ele dá a sua aula, o aluno faz o quê?” A expressão “dar aula” é fruto da era do “mundo pronto”. Num contexto de mundo inacabado e em constante mudança nós não temos nenhuma aula a “dar”, mas sim a construir, junto com o aluno. O aluno precisa ser o personagem principal dessa novela
chamada aprendizagem. Já não tem mais sentido continuarmos a escrever, dirigir e atuar nessa novela unilateral, na qual o personagem principal fica sentado no sofá, estático e passivo, assistindo, na maioria das vezes, a cenas que ele não entende. As novelas “de verdade” já estão incluindo o telespectador em seus enredos, basta observarmos a freqüência de pesquisas populares que norteiam o autor na composição de personagens e definição dos rumos da estória.
Dar aula cansa, frustra e adoece. Cansa porque precisamos manter os alunos quietos e prestando atenção em algo que eles, geralmente, não sentem a mínima necessidade de aprender. Para que eles supostamente aprendam (leia-se fiquem quietos, olhando para o professor), muitas vezes desprendemos uma energia sobre-humana, que vem geralmente acompanhada de frustração e desespero. A doença, é conseqüência direta dessa situação.
Pare de dar respostas!
Aprender é fruto de esforço. Esse esforço precisa ser a busca de uma solução, de uma resposta que nos satisfaça e nos re-equilibre. Na medida em que nos preocupamos mais em dar respostas do que fazer perguntas, estaremos evitando que o aluno faça o necessário esforço para aprender. Eis o passaporte para a acomodação cognitiva. Dar a resposta é contar o final do filme. Poupa o sofrimento de vivenciar a angustia de imaginar diferentes e possíveis situações de exercitar o modelo de ensaio-e-erro, enfim, poupa o aluno do exercício da aprendizagem significativa.
Num contexto de “mundo pronto” a resposta fazia sentido. Num contexto de “mundo em construção”, a resposta impede a aprendizagem. Além de que, a perspectiva do vir-a-ser exige busca constante. Se num mundo dinâmico paramos de buscar, saímos da sintonia desse mundo e nos desconectamos do processo global de desenvolvimento.
Diante dessa realidade, o desejo, à vontade, a curiosidade e a disponibilidade interna para aprender ganham especial importância. Segundo Freinet, está fadado ao fracasso, todo método que tentar fazer beber água o cavalo que não tem sede. Essa máxima nos remete à profunda reflexão sobre a importância do papel do sujeito que aprende. Mais ainda. Remetenos à reflexão sobre o papel do professor como “provocador da sede”.
Na escola, informações são passadas sem que os alunos tenham necessidade delas, logo, nossa função principal como professores é de gerar questionamentos, dúvidas, criar necessidade e não apresentar respostas.
Procure novas formas de desafiar os alunos!
O nosso principal papel como professores, na promoção de uma aprendizagem significativa é desafiar os conceitos já aprendidos, para que eles se reconstruam mais ampliados e consistentes, tornando-se assim mais inclusivos com relação a novos conceitos. Quanto mais elaborado e enriquecido é um conceito, maior possibilidade ele tem de servir de parâmetro para a construção de novos conceitos. Isso significa dizer que quanto mais sabemos, mais temos condições de aprender.
O papel docente de desafiar deve ser insistentemente aperfeiçoado. Precisamos construir nossa forma própria de “desequilibrar” as redes neurais dos alunos. Essa função nos coloca diante de um novo desafio com relação ao planejamento de nossas aulas: buscar diferentes formas de provocar instabilidade cognitiva. Logo, planejar uma aula significativa significa, em primeira análise, buscar formas criativas e estimuladoras de desafiar as estruturas conceituais dos alunos. Essa necessidade nos poupa da tradicional busca de maneiras diferentes de “apresentar a matéria”. Na escola, informações são passadas sem
que os alunos tenham necessidade delas, logo, nossa função principal como professores é de gerar questionamentos, dúvidas, criar necessidade e não apresentar respostas.
Quando problematizamos, abrimos as possibilidades de aprendizagem, uma vez que os conteúdos não são tidos como fins em si mesmos, mas como meios essenciais na busca de respostas. Os problemas têm a função de gerar conflitos cognitivos nos alunos (desequilíbrios), que provoquem a necessidade de empreender uma busca pessoal.
Esse desafio a que nos referimos não precisa ser algo de extraordinário, o essencial é cumprir o papel de “causar sede”. Podemos promover um desafio com uma simples pergunta: “Por que quanto mais alto, mais frio fica, se quanto mais alto, mais perto do sol estamos?”. Outras vezes uma situação se presta muito bem para promover tal desequilíbrio como o aparecimento de pintinhas coloridas na pétala de uma rosa em cuja jarra tenha sido colocada água colorida. Outras atividades como apresentação de um recorte de jornal, de uma fotografia, de uma cena de um filme ou de uma pequena estória, igualmente se prestam como excelentes desafios.
Persiga a aprendizagem profunda!
Segundo Ausubel (1988), é indispensável para que haja uma aprendizagem significativa, que os alunos se predisponham a aprender significativamente. Vem daí a necessidade de “despertarmos a sede”. Uma pesquisa feita na década de oitenta (Marton ET alii, 1984) com um universo de cerca de 800 alunos do Ensino Médio chegou a conclusão (nomeada pelos próprios alunos) que dois tipos de pré-disposição eram presentes entre eles: a aprendizagem superficial e a aprendizagem profunda.
A aprendizagem superficial ocorre quando a intenção limita-se a preencher os requisitos da tarefa; assim, mais importante do que a compreensão do conteúdo é prever o tipo de perguntas que possam ser formuladas sobre ele, aquilo que o professor julgará importante. O foco é transferido da importância real do conteúdo para as exigências que serão feitas sobre ele. A aprendizagem superficial ocorre, então, quando há a intenção principal de cumprir os requisitos da tarefa. Como conseqüência ocorre a memorização de informações necessárias para testes e provas. A tarefa é encarada como imposição externa.
Não há reflexão sobre propósitos ou estratégias e o foco é colocado em elementos soltos, sem integração. O aluno sabe que tem que saber como ocorre o processo de respiração humana, tem que saber descrevê-lo, tem que saber os nomes dos principais órgãos envolvidos, mas “não faz contato” com a importância de uma respiração plena para sua qualidade de vida.
Segundo Solé (2002), é preciso levar em consideração que esses enfoques se aplicam à forma de abordar a tarefa e não ao estudante; ou seja, um aluno pode modificar seu enfoque de uma tarefa para a outra ou de um professor para o outro, embora sejam observadas tendências para o uso de enfoques profundos e superficiais. O que determina seu empenho é a disponibilidade interna para a aprendizagem.
A aprendizagem profunda ocorre quando a intenção dos alunos é entender o significado do que estudam, o que os leva a relacionar o conteúdo com aprendizagens anteriores, com suas experiências pessoais, o que, por sua vez, os leva a avaliar o que vai sendo realizado e a perseverarem até conseguirem um grau aceitável de compreensão sobre o assunto. A aprendizagem profunda se torna real, então, quando há a intenção de compreender o conteúdo e, por isso há forte interação com o mesmo, através do constante
exame da lógica dos argumentos apresentados.
O que faz com que um aluno mostre maior ou menor disposição para a realização de aprendizagens significativas? Digamos que é um misto de condições que pertencem ao universo do aluno e questões que pertencem a própria situação de ensino, ao “contexto físico” da aprendizagem, que é resultante da pré-disposição do professor em promover uma aprendizagem superficial ou profunda. Perseguir, pois uma aprendizagem profunda significa organizar os elementos que compõem a situação de ensino de forma motivante e desafiadora e cuidar da relação pessoal com os alunos para que ela possa ser suporte para
o despertar no universo do aluno, um panorama favorável ao “mergulho necessário”.
Pare de dar tantas instruções!
Quanto mais instruções dermos, mais seguidores de instruções formaremos. Não que as instruções tenham sido banidas do mundo atual, o uso da tecnologia deixa-nos “atados” aos manuais, por exemplo. Falo da pouca presença da autonomia na sala de aula. Quando um professor detalha minuciosamente as orientações que acompanham uma tarefa e faz um acompanhamento passo-a-passo de cada etapa para que todos possam caminhar juntos, ele está favorecendo a dependência dos alunos e não sua autonomia. Nesses casos, os alunos não se preocupam muito em compreender o que fazem, mas sim em seguirem as
instruções do professor, o que lhes vai garantir êxito.
Desenvolvimento de autonomia na sala de aula está ligado à possibilidade dos alunos tomarem decisões racionais sobre o planejamento de seu trabalho. Responsabilizando-se por suas tarefas e conhecendo os critérios através dos quais serão avaliados, os alunos poderão regular suas decisões e se apropriar da atividade.
Cuidado, porém, com os excessos! Não dar muitas instruções não corresponde a adotar a teoria do “toma que o filho é teu e te vira”. Precisamos fornecer as instruções necessárias, incentivar as decisões coerentes e questionar as decisões descabidas.
Aprendizagem significativa não necessita de proteção, mas sim de cuidado.
Eleve a auto-estima do aluno!
Partir daquilo que o aluno já sabe reforçá-lo e valorizá-lo é fazê-lo sentir-se parte do processo de aprender e, paralelamente, é elevar sua auto-estima. Outras atitudes igualmente elevadoras da auto-estima do aluno são:
_ Propor desafios ao seu alcance.
_ Monitorar a distância entre a linguagem utilizada na aula e a linguagem natural do aluno.
_ Oferecer as ajudas necessárias diante das dificuldades.
_ Garantir um ambiente compartilhado de ensino em que o aluno sinta-se parte ativa.
_ Implementar o hábito de reconhecimento de pequenos sucessos progressivos.
_ Garantir que o aluno possa mostrar-se progressivamente autônomo no estabelecimento de objetivos, no planejamento das ações que o conduzirá a eles.
Esse conjunto de atitudes compõe o que chamamos relação de respeito e confiança mútuos. E é a partir desse contexto acolhedor que se dá a aprendizagem significativa.
É preciso ser para aprender. A aprendizagem significativa é fruto da “permissão de ser”, mais que isso, é fruto da “sensação de ser”. Estamos falando da maneira específica e natural de ser de cada um de nós, que se transforma na medida em que interagimos significativamente com o mundo e com os outros. Alguém que não tem “permissão de ser” não se habilita a aprender, pois não tem referenciais internos para alimentar a interação necessária com o objeto da aprendizagem. Nossos alunos precisam sentir que podem ser o que são na sala de aula e que toda parte de si que não for muito conveniente será fruto de uma negociação respeitosa que levará a uma adaptação de comportamento que, por sua vez, será um ganho de habilidade relacional, um presente para ser melhor no mundo.
É claro que não estamos aqui contradizendo nosso papel de formadores de atitudes socialmente aceitas. É preciso ensinar os alunos a equilibrarem o “ser” e o “estar”, sob pena de sermos banidos do mundo. Estamos nos referindo a atitude de fazer isso sem anular o “ser” já construído que esse aluno traz.
Essa atitude exige de nós, professores duas posturas nada fáceis, porém não impossíveis de serem aprendidas com determinação e persistência:
_ O olhar fenomenológico – que consiste em olhar o aluno e seu comportamento por si só, o mais livre possível de julgamentos estereotipantes.
Pedrinho usa expressões que são comuns entre marginais ao invés de Pedrinho é um marginalzinho, com certeza!
_ A postura transcultural – que consiste em explorar, conhecer, respeitar e entender a cultura do aluno, levando em conta a possibilidade de enriquecer a sua própria cultura.
Elevar a auto-estima do aluno significa fazê-lo sentir-se capaz, fazê-lo sentir-se digno de ter direitos e possibilidades na vida.
Promova a interação entre os alunos!
A troca de percepções entre os alunos estimula a ampliação de idéias e a testagem de hipóteses pessoais. O indivíduo não nasce pronto nem é cópia do ambiente externo. Em sua evolução intelectual há uma interação constante e ininterrupta entre processos internos e influências do mundo social. A partir dessa afirmação, Vigotsky justifica a necessidade de interação social no processo de aprendizagem. Atento à "natureza social" do ser humano, que desde o berço vive rodeado por seus pares em um ambiente impregnado pela cultura, Vigotsky (1999) defendeu que o próprio desenvolvimento da inteligência é produto dessa convivência. Para ele, "na ausência do outro, o homem não se constrói homem". Enfim, é
através da aprendizagem nas relações com os outros que construímos os conhecimentos que permitem nosso desenvolvimento mental.
Essa interação deve se concretizar em sala de aula através do estímulo para que os alunos troquem idéias e opiniões. Essas trocas devem ser breves e em pequenos grupos (três alunos é o ideal) para se evitar a dispersão e perda de foco. No momento em que um aluno ouve a opinião do colega e reflete sobre o que ele diz, ele tem a oportunidade de ratificar ou retificar sua opinião, através de uma síntese dialética, necessária a todo conhecimento consistente.
Uma tentativa de conclusão
O papel do professor na promoção de uma aprendizagem significativa tem início na clareza que ele tem a respeito da concepção social da Educação e, conseqüentemente do seu próprio papel social. Somente a consciência e o compromisso com esse papel vão dar forma a um projeto real de sociedade, no qual se inserem e se inter-relacionam cidadãos mais ou menos críticos, mais ou menos engajados, enfim, mais ou menos conscientes.
Promover a aprendizagem significativa é parte de um projeto educacional libertador, que visa à formação de homens conscientes de suas vidas e dos papéis que representam nelas. É impossível ensinar liberdade, cerceando idéias, oprimindo participações e ditando verdades. Apercebermo-nos dessas atitudes é essencial para que iniciemos um real processo de transformação da nossa prática.
Júlio César Furtado dos Santos
Especialista em Psicopedagogia pela Universidade de Havana.
Psicólogo, Pedagogo e Professor. Pró-Reitor Acadêmico da UNIABEU,RJ
Mestre em Educação pela UFRJ
Doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Havana.
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BIBLIOGRAFIA:
AUSUBEL, at alii. Psicologia educativa: um punto de vista cognoscitivo. México, Trillas, 1988.
DUARTE, Newton. Vigotsky e o aprender a aprender. Ed. Autores Associados, São Paulo, 1999.
ELIAS, Marisa Del Cioppo. Célestin Freinet: uma pedagogia de atividade e cooperação. Petrópolis, RJ,
1997.
MARTON at alii. The experience of learning. Edimburg, Scottish Academic Press, 1984.
RONCA, Paulo Caruso. A prova operatória. Ed. Finep, São Paulo, 1996.
SOLÉ, I 2002. Bases Psicopedagógicas de la practica educativa. In: El curriculum en el centro
educativo. Barcelona, ICE/Horsori.
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