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sexta-feira, 15 de abril de 2011

Mevrouw Jane





UM ROMANCE INTIMISTA
José Augusto Carvalho
Este é um romance de estréia, mas dá a ilusão de ser obra de uma autora experiente, pelas qualidades que apresenta. Os diálogos naturais e simples, embora às vezes profundos, se arrastam propositadamente em detalhes caseiros e familiares, para que o leitor se envolva na trama e participe como ator e não como leitor-espectador do que a sua leitura vivencia.
Trata-se de um romance intimista, com múltiplas personagens, mas centralizado basicamente em problemas familiares de duas mulheres: Jane (69 anos), a personagem título, e Sofia (25 anos), a bela jovem estudiosa e culta, roteirista de peças teatrais. Amores e desamores, encontros e desencontros marcam a vida de ambas, em suas confidências compartilhadas.
Tecnicamente, o romance começa dando a impressão de que a narrativa vai processar-se na 1ª pessoa. Mas logo o leitor se dá conta de que a narrativa (não linear) é na 3ª pessoa, e mergulha nas confidências mútuas das duas personagens centrais.
Jane é a segunda esposa de Eric, pai de dois filhos de gênios opostos: Marc, o bom menino, e Henk, um pestinha mimado que o pai não consegue controlar e é motivo de atritos conjugais. A ex-mulher de Eric, que só aparece em segundo plano, nos relatos do diário de Jane, é outra pessoa a infernizar a vida conjugal de ambos. As sessões de terapia, narradas no diário de Jane, são o ponto alto do romance, a oferecer matéria de reflexão sobre o relacionamento entre casais e sobre a educação de filhos e enteados (que a autora chama de “filhastros”, sem a possível força depreciativa ou estigmatizada que esse nome evoca). Para piorar o relacionamento do casal, Eric não quer ter filhos com Jane, com medo de que o filho nasça com problemas mentais, já que um irmão de Jane era excepcional.
Sofia é a jovem que também sofre com a traição do homem que ama (Ethan), mas redescobre a felicidade ao casar-se com Mark, o bom enteado (filhastro) de Jane. Além dessas duas mulheres — Jane e Sofia —, há outras de menor destaque, mas sempre em maior evidência que os personagens masculinos, como, por exemplo, Hellen, a criadora de coelhos; Lindalva, a cozinheira de mão cheia; e Clara, a esposa de Paulo, dono da sorveteria que Jane e Sofia frequentam.
Os personagens masculinos mais fortes são Pedro Sabiá (um aleijado a quem Jane ajuda, dá aulas de inglês e presenteia com uma cadeira de rodas elétrica), Eric (o marido de Jane, fraco na educação dos filhos e pivô do conflito que é o ponto alto do livro), Marc (o bom filhastro que se casa com Sofia, a confidente de Jane), Diego (dentista e bibliotecário da Casa Espírita) e Heitor (irmão de Hellen e, como Diego, personagem quase apagada da trama).
A autora, erudita e viajada, aproveita os diálogos para encaixar curiosidades sobre os países que visitou ou em que viveu. Não apenas pontos turísticos, mas também coisas ligadas à cultura ou à língua, como, por exemplo, o fato de, em algumas cidades pequenas, todos respeitarem os domingos, na Holanda, de tal forma que nem ouvir música ou fazer festas é permitido. Até as mulheres, que usam calça comprida nos dias de semana, se proíbem usá-la aos domingos! Nas praias, as pessoas vestem a roupa de banho ou despem-na em público, sem se importar com os espectadores apáticos, já acostumados com a nudez natural, espontânea, sem malícia. Curiosa é a informação de que a Holanda é “o único país do mundo que impõe um vestibular cultural para os cônjuges estrangeiros”. O curso de integração cívica chama-se “inburgeringcursus” e tem 600 horas de aula objetivando aprofundar os conhecimentos dos aloglotas na lingua e na sociedade holandesa. O país só permite que o estrangeiro trabalhe lá após a conclusão desse curso. Curiosa também é a maneira de dizer as horas em holandês: 7h40 é “tien over half acht”, isto é, “são dez minutos depois de meia (hora) para as oito”.
Também há críticas interessantes: “[os holandeses] são superficiais, não vão fundo nem longe… Nestes três anos, e tomando como referência as pessoas com quem já conversei ou que conheci aqui, o meu maior choque cultural foi exatamente essa artificial e vaga diplomacia. Constatei que, aqui na Holanda, um dos países mais desenvolvidos do mundo, muitos dos seus habitantes são intelectuais, brilhantes e lindos, contudo, entre eles, existem muitos, muitos, que deixaram apodrecer dentro de si, por total falta de uso, grandes qualidades, grandes valores humanos que regem a vida.”
Às vezes, há pensamentos profundos que levam o leitor a parar para refletir sobre eles:
1. “A confiança é igual à felicidade: não vem de fora. Ela está dentro de nós. Nós é que temos de encontrá-la.”
2. “O importante não é ter uma crença, mas uma conduta moral.”
3. “O poder da prece está na sinceridade do pensamento.”
4. “Aquilo que não está consciente em nós não conseguimos mudar.”
5. “Beijos são mais do que o encontro de lábios. São formas de verbalizar emoções. Creio que entre um beijo fingido e um desejado só não sente a diferença a boca que não quer.”
6. “Quando o encanto acaba, a gente passa a enxergar o que não conseguia ver antes.”
7. “…quando temos convicção de que estamos fazendo o nosso melhor, a vida nos presenteia com soluções para todos os nossos problemas.”
8. “Quando não há mais nada que possamos fazer para melhorar uma situação e optamos por permanecer nela, precisamos esforçar-nos para acabar com as nossas resistências.”
Além de tudo isso, há informações curiosas sobre folclore (como a lenda do guaraná), sobre o espiritismo (de que a personagem central é adepta convicta), sobre o carnaval da Holanda, sobre todas as equipes de futebol da Seleção Brasileira nos cinco campeonatos mundiais conquistados (com os nomes de todos os jogadores), sobre mezinhas (remédios caseiros, como chá-verde), sobre doenças mentais (Borderline Personality Desorder), sobre os índios bororos, etc. etc. Informações que poderiam classificar este romance quase como um “romance enciclopédico”…
Não há evidência clara de renovação da linguagem, neste romance, a não ser pela supressão frequente do verbo dicendi, nos diálogos, e, consequentemente, pela supressão da oração principal do período. Como em: “Sofia, que permanecia abraçada com a Lindalva: — Claro que estou!” Ou como em: “E Rodolpho, suspirando com ares de preocupado: —Vamos sair daqui muito mais rechonchudos, isso sim!”
Esporadicamente, a frase pode terminar com uma preposição: “Jane não relatou esses detalhes para o marido. Mas contou sobre: — Conversei também com o Aquino, ele me informou que a campanha já foi lançada!”
Em síntese, trata-se de um romance que certamente agradará ao leitor desde as primeiras linhas. E ficará encantado com o final surpreendente. É ler para ver.
Dizia Guimarães Rosa (cito de memória) que um livro pode valer pelo muito que nele não deveu caber. Este aqui também vale pelo muito que nele coube.
(José Augusto Carvalho é Mestre em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas — Unicamp —, e Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo— USP.)
QUER SABER MAIS ACESSE: http://josanemary.wordpress.com/mevrouw-jane/   SIMPLESMENTE MARAVILHOSO!!!

4 comentários:

  1. Magnólia!

    O dia de hoje tem sido repleto de maravilhosas suspresas!
    Você é a responsável por uma delas!
    Muitíssimo obrigada!
    Como eu disse anteriormente [quando respondi ao seu comentário]:
    "Como parar de sorrir!?"

    Tenha um ótimo dia,
    Grande abraço

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  2. Olá, Magnólia, muito obrigado, menina. Por enquanto é um primeiro contato e dizer que também estou lhe seguindo com muito gosto. Adorei ter lido seu perfil, é a primeira coisa que leio num blog.
    Quanto à Josane, irei no blog dela hoje, como prometi. Quero conhecer seus textos, assim como os seus. Seu blog está no 'capricho'... Voltarei!

    beijão pra você.
    Tais Luso

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  3. Olá, Magnólia, apesar de várias visitas a fazer, voltei - como havia prometido.

    Li esta sua postagem sobre o romance de Josane! A trama deve ser cabeluda... Onde entram os conflitos entre madrastas e enteados, a coisa fica feia, amiga. É muito difícil esta convivência, ainda mais o marido Eric sendo fraco como é.

    Achei também muito interessante as duas amigas com idades tão diferentes... Realmente o livro de Jo promete e tem tudo para ser um sucesso.

    Deixo aqui pra você um link do meu blog sobre madrastas e enteados, apenas uma crônica.
    http://taisluso.blogspot.com/2009/09/madrastas-e-enteadas.html

    Escutei, também, o vídeo abaixo, adorei. Não conhecia o cantor.

    Grande beijo pra você.
    Tais Luso

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  4. Olá Magnólia,
    seu blog começou bem. A apresentação está boa, o assunto é interessante e enriquecedor.
    Eu gosto de literatura quase tanto quanto de pintura e também sou professor.
    Os comentários acima feitos pela Taís Luso também enriquecem o blog. Taís é uma conquista importante!
    Muito sucesso e um grande abraço.

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