VITÓRIA DO BOM SENSO

PROJETO FÉRIAS NAS CRECHES

No início do mês de outubro, tive a oportunidade de usar a palavra livre na Câmara Municipal, para expor aos nobres vereadores a minha posição sobre a garantia do atendimento nas creches, durante o ano TODO, às crianças que dela necessitem, partindo da premissa de que as creches atendem a dois direitos básicos do cidadão: na perspectiva da criança, o direito à educação; na dos pais, o direito ao trabalho. Naquela ocasião, apresentei três motivos que para mim são IRREFUTÁVEIS:

1-Temos uma dívida de 23 anos com a criança brasileira . A Constituição Federal de 1988 previa e assegurava como prioridade absoluta o direito à educação infantil para todas as crianças. No entanto, passado todo esse tempo, o acesso às creches e pré-escolas está longe de se tornar realidade para grande parte da população, principalmente, à parcela mais carente. No Brasil, somente 15,5% das crianças até 3 (três) anos de idade frequentam creches e, em MS, aproximadamente, 23,7% dessa faixa etária são atendidas. Estamos, também, longe de universalizar o acesso para as crianças de 4 a 5 anos. Desse modo, creche é direito da criança cidadã brasileira, opção dos pais e dever do estado. Direito USURPADO!

2 - A clientela da creche em sua maioria é formada por crianças pobres. Segundo relatório da Unicef (O Estado da Criança no Mundo) temos, no Brasil, mais de 27 milhões de crianças vivendo abaixo da linha de pobreza, fazendo parte de famílias que têm renda mensal de até meio salário mínimo. Aproximadamente 33,5% de brasileiros vivem nessas condições econômicas, e destes, 45% são crianças que têm três vezes mais possibilidade de morrer antes dos cinco anos. O relatório também aponta que o Brasil é o país que alcançou o terceiro maior índice de mortalidade infantil na América do Sul, ficando apenas atrás da Bolívia (45 mortes) e do Paraguai (32 mortes). A estimativa para este ano é de que, em cada grupo de mil crianças nascidas vivas no Brasil, 23 morram antes de completar 1 ano de idade. Muitas crianças só se alimentam na creche!

3 - É no período de férias que o índice de violência sexual contra a criança aumenta em 80% (dados da Promotoria da Infância de MS). Seja qual for o número apresentado nas estatísticas, sabemos que esse número pode ser bem maior. A maioria dos casos não é reportada porque as crianças têm medo de falar sobre o que se passou com elas. Segundo pesquisas, o incesto pode ocorrer em até 10% das famílias. Quem abusa sexualmente de crianças são pessoas que a criança conhece e que, de alguma forma, podem controlá-la - o pai, o padrasto, o irmão mais velho ou outro parente qualquer. Outras vezes ocorre fora de casa, na casa de um amigo da família, da pessoa que toma conta da criança, na casa do vizinho, ou mesmo por um desconhecido.

Então eu pergunto: no período de recesso e férias (julho e janeiro) as crianças desvalidas e negligenciadas ficam onde? Com quem? Como? Eu mesma respondo: Entregues a própria sorte!

Não podemos esquecer que proteger a criança pequena é dever constitucional, uma vez que o artigo 227 da Constituição de 1988, diz que - é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à Criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Projeto Férias de autoria dos vereadores Paulo Siufi e Profa Rose, subscrito pelos vereadores Grazielle Machado, Herculano Borges e João Rocha, aprovado por unanimidade pelos demais pares, em 18 de outubro, representa um avanço na política de educação e cuidados na primeira infância em Campo Grande, porque não resolve apenas uma necessidade imediata. As pesquisas também comprovam que as crianças que tiveram um atendimento de cuidado e educação em instituições de educação – creches - são as que têm melhor desempenho nos primeiros anos de escolaridade. Desse modo, é muito melhor e mais barato aplicar medidas preventivas e de proteção às crianças em tenra idade, do que compensar suas precariedades quando mais velhas. Não esquecendo que Educação e Cuidado na Primeira Infância (ECPI), é um direito reconhecido na Convenção dos Direitos da Criança e expresso no primeiro dos seis objetivos de Educação para Todos –EPT, adotados por 164 países, em Dacar, inclusive o Brasil, no ano de 2000.

O Projeto Férias funcionará como uma Colônia de Férias, já conhecida pelas crianças mais abastadas da sociedade e deverá ser desenvolvido durante o período de recesso e férias nos Centros de Educação Infantil – CEINFs de Campo Grande, atendendo as crianças com atividades recreativas, esportivas, de teatro, de música e de brincadeiras, além da alimentação. Mas para que a criança fique na creche no período de férias os pais terão de comprovar que realmente trabalham e não podem cuidar dos filhos.

Parabenizo os nobres vereadores pela lucidez e sensibilidade, acreditando que o Sr. Prefeito que, em 2010, assinou o Termo de Compromisso - Prefeito Amigo da Criança – sancione essa lei o mais rápido possível, de modo que possa ser executada ainda em janeiro de 2012. Espero ainda que, esse projeto, futuramente, se estenda a todas as crianças que precisarem, não só aos filhos de pais trabalhadores, uma vez que a garantia de proteção é direito constitucional da criança, independentemente da condição dos pais. Não podemos dar tréguas à FOME, à VIOLÊNCIA e à NEGLIGÊNCIA.

Com a palavra o poder executivo.



Drª Ângela Maria Costa

Professora do curso de Pedagogia - UFMS

Coordenadora da Aliança pela Infância – Campo Grande/MS

lamarc@terra.com.br