Toda família deseja que seus filhos
tenham o melhor desempenho possível ao longo dos anos escolares, não é
verdade? Porém, o que chama muito atenção atualmente é que pouco se fala do
quão importante é o desenvolvimento infantil, desde a gestação (ainda na fase
intra-uterina), passando pela primeira infância (de zero a seis anos),
para depois se consolidar, de fato, a inserção no mundo pedagógico.
Para que a inicialização na vida escolar seja a mais adequada
possível, muitas etapas que a antecedem devem ser valorizadas.
Mães que vivem uma gestação de bastante tranquilidade, com alimentação
adequada, noites bem dormidas e estabilidade emocional, favorecem
significativamente a formação neuronal inicial dos bebês. Acabam fornecendo a
eles uma base psíquica bastante estruturada, bem desenvolvida, estável.
Antes de pensarmos em idade correta de alfabetização, de refletirmos
sobre a idade de ir para a escola pela primeira vez, de querermos crianças
que se interessem pela leitura, que se envolvam nas atividades da escola, é
muito válido valorizarmos as bases que antecedem tudo isso.
Sobre essa temática destaco duas preocupações essenciais: a
importância do desenvolvimento durante a gestação e a importância do
desenvolvimento da estrutura mental na primeira infância, por meio das
brincadeiras espontâneas, em especial, as de “faz de conta”.
Seu filho ou filha tem oportunidade frequente de brincar de fantasia?
Brincar de fantasia quer dizer brincar de se imaginar no lugar do outro, de
fantasiar, inventar. Brincar de se fantasiar de verdade ou não, é fator pouco
preocupante nesse momento. A roupa de fantasia em si, não é a questão do
artigo.
Vamos pensar e refletir sobre o “faz de conta”. Brincar de ser papai,
fingir ser a mamãe, se posicionar como professor, falar como médico, imitar
os animais, como se fosse algum deles. Enfim, fazer de conta que é o outro.
Brincar como se estivesse em outro espaço, inventar castelos, ruas, fazendas
imaginárias. Cozinhar de mentirinha a comidinha favorita. Puxar um carrinho e
se imaginar pilotando o automóvel. Pular como se fosse um sapo de verdade.
Entrar em uma casinha que só existe no imaginário. Enfim, brincadeiras de faz
de conta.
Para algumas famílias, todas essas brincadeiras ainda são comuns e
fazem parte do seu cotidiano, mas para outras são brincadeiras raras, pois
foram substituídas por vídeo games e outros recursos tecnológicos.
Brincar com um jogo no computador requer mecanismos mentais diferentes
das brincadeiras tão comuns antigamente, chamadas de faz de conta.
Atuar com o faz de conta permite o trabalho da estrutura do pensamento
e da estrutura emocional das crianças.
Quando brincam muito de faz de conta conseguem elaborar melhor as suas
estruturas internas de pensamento.
Em termos de repertório oral, por exemplo, as crianças que brincam de
imitar a vida, que se colocam no lugar do outro, que fingem mil invenções,
são capazes de utilizar diversas palavras diferentes, enquanto que a
brincadeira com o vídeo game, não permitem a ampliação do vocabulário, tanto
quanto o faz de conta.
As vantagens das brincadeiras espontâneas, de faz de conta, são
infinitamente mais vantajosas. Por meio delas as crianças desenvolvem a
coordenação motora, o aspecto do convívio social, a linguagem, entre vários
outros fatores. São recursos extremamente importantes para a formação
integral das crianças.
Brincar em casa, ou na escola, com brincadeiras dirigidas, não
exercita da mesma forma a questão de estar no lugar do outro. Por exemplo,
vamos imaginar uma sala de aula onde a professora organizou o espaço para a
dança da cadeira. Difícil a criança que não gosta, mas, isso permite o estar
no lugar do outro? Exercem o papel de algum personagem ou a criação da
imaginação de algum lugar fantasioso? Às vezes, até pode acontecer de uma
criança ou outra usar de tais artifícios até na brincadeira da dança da
cadeira, mas será uma exceção.
Normalmente, o que mais vemos na divertida brincadeira da dança da
cadeira, são exercícios de domínio corporal e, claro, muita diversão.
Hoje a minha atenção é despertar pais, professores e a sociedade de
forma geral para as brilhantes possibilidades das brincadeiras de faz de
conta. Esse tipo de situação permite às crianças que exerçam o
simbolismo.
O que é esse ‘simbolismo’? É o sentido que a criança emprega às
situações durante o brincar. Quando olhamos a criança brincando podemos
perceber quais valores ela está empregando aos fatos e objetos, e quais os
significados que ela já adquiriu sobre a vida real.
No papel de pais e professores atentos, podemos e devemos contribui
com a construção dos simbolismos. Vejam a importância disso:
Quando a criança brinca de casinha, por exemplo, e as situações de
medo, susto ou horror, aparecem em excesso, temos uma ótima oportunidade de
interagir na brincadeira, entrando na fantasia, junto com a criança,
desvendando com ela as situações. É preciso um pouquinho de criatividade,
claro, mas não é nada difícil, ao contrário, é maravilhoso brincar de faz de
conta junto com as crianças.
Ao brincar com elas, podemos fingir que somos outro personagem e atuar
nas situações que nos chamam mais atenção. No caso do medo, susto, ou horror,
podemos mudar o tom de voz, fingindo ser alguém que começou a brincar também
e, aos poucos, podemos conversar sobre o porquê de determinados
posicionamentos.
Exemplo: “oi amiguinho, posso brincar com você? Parece que estava com
medo. Posso te ajudar? O que estava acontecendo? Você sempre tem medo? O que
te dá mais medo? Sabe de uma coisa? Quando tenho medo, começo a pensar nas
coisas que minha mamãe me ensinou, e logo o medo passa. Ah, também sempre
lembro que não precisamos ter medo, porque muitas pessoas que vivem perto de
nós, nos ajudam a todo momento, e mais, Deus está sempre cuidando de nós
também. Será que você precisa mesmo ficar com medo? O que você acha?”
É um exemplo bem simples, mas dá para exemplificar questões sobre O
QUE observar nas brincadeiras (as atitudes, as falas, o posicionamento da
criança, etc) e COMO analisá-las (brincando junto, participando ativamente).
Ou seja, as brincadeiras espontâneas são super favorecedoras do
exercício do simbolismo. Por meio delas os adultos podem notar a forma como
as crianças estão construindo a noção da vida em sociedade e como estão
entendendo os relacionamentos sociais.
Algo fundamental nisso tudo: é dessa forma que possibilitamos às
crianças uma boa maneira de trabalhar o próprio eu, estruturar os pensamentos
e exercer o seu papel na sociedade. É assim que toda a estrutura interna,
inicial, é exercitada, formando os pilares para as aprendizagens humanas,
escolares ou não.
Só mais um pouquinho, anotações essenciais antes de encerrar esse
artigo: dessa mesma forma, quando os adultos participam junto e observam a
brincadeira, podem acontecer descobertas preocupantes (agressividade
excessiva, passividade contínua, atraso motor, inconstância acentuada do
humor, desvios da fala, etc). Mais um motivo para valorizarmos realmente
esses momentos. Para essas observações, tanto as brincadeiras espontâneas
como as dirigidas são relevantes.
Nesses casos, pais e professores precisam se dedicar ainda mais,
intervir sistematicamente, brincando junto, para ver se com orientações bem
específicas (mas lúdicas, sem bronca, sem cobrança, de forma prazerosa) os
sintomas diminuem. Caso contrário, procurar ajuda profissional o quanto
antes. Atendimento direcionado na primeira infância sempre tem resultado mais
positivo do que em idade avançada.
Para não esquecer: a base do desenvolvimento integral (físico,
emocional, social, pedagógico) passa por dois momentos que são
insubstituíveis: a fase intrauterina e o rico período da primeira infância,
de zero a seis anos.
Gestação e primeira infância precisam de prioridade na sociedade!
Nessas duas fases, tudo que é feito para colaborar com o desenvolvimento das
crianças, de certa forma, pode ser considerado como prevenção precoce das
dificuldades na aprendizagem, pois favorecerá a formação primária que servirá
de base para as aprendizagens humanas.
Roberta Mello Leal Pimentel
Pedagoga - Especialista em Psicopedagogia -
Mestre em Educação
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