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sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Congresso em Educação



Congresso Brasileiro sobre Dificuldades de Aprendizagem e do Ensino


Philippe Perrenoud

Palestra

Avaliação e desenvolvimento profissional

Definição do desenvolvimento profissional

No sentido mais amplo de seu significado, o conceito de « desenvolvimento profissional » abrange « todas as transformações individuais e coletivas de competências e de componentes de identidade mobilizados ou suscetíveis de serem mobilizados em situações profissionais ».
Este conceito engloba, ao mesmo tempo, a construção das competências nas formações individuais ou coletivas, mas também a construção de competências novas, pela prática e pela reflexão sobre a prática, assim como as transformações de identidade dos indivíduos ou dos grupos.
O « desenvolvimento profissionnal » consiste, essencialmente, na construção de competências e nas transformações de identidade em situações de trabalho (ao longo da carreira), assim como nas situações de formações profissionalizantes e contínuadas.
Cada vez mais, práticas de avaliação múltiplas e plurais determinam os percursos de formação e os percursos profissionais, sendo, potencialmente, geradoras do desenvolvimento profissional.

Uma hipótese otimista ?

Esta é a definição dos organizadores de um colóquio organizado em janeiro de 2009, em Louvain-la-Neuve (Bélgica).
Apresento essa definição, pois ela me parece globalmente aceitável.
Para questionar a parte final da última afirmação: « práticas avaliativas múltiplas e plurais determinam os percursos de formação e os percursos profissionais e são potencialmente geradoras de desenvolvimento profissional ».

Uma prudência um pouco limitada

Dizer que as práticas avaliativas são, apenas, “potencialmente” geradoras de desenvolvimento profissional, é reconhecer que este potencial não é automaticamente atualizado e questionar a questão das condições favoráveis.
Porém, eu proponho um questionamento mais amplo: certas práticas avaliativas podem paralisar, inibir o desenvolvimento profissional ?
Saliento também a hipótese que a avaliação institucional, tal como a vemos ser aplicada no mundo, poderia muito bem impedir o desenvolvimento profissional.

Pontos de partida

Toda expansão da avaliação não é, ipso facto, um progresso. Como para os outros fenômenos, a situação ótima se encontra entre estes dois patamares: abaixo do patamar inferior, não há regulação ; acima do patamar superior, a avaliação se torna uma finalidade em si mesma, uma conduta obsessiva.
Toda prática de avaliação, exceto se for livremente solicitada pelo indivíduo ou pelo sistema a serem avaliados, se insere numa relação assimétrica: o avaliador tem o poder de avaliar um indivíduo ou um sistema, se necessário, contra a vontade dos mesmos.
A questão metodológica (como avaliar de maneira confiável e com equidade) não deixa nunca de lado a questão sociológica: quem avalia quem, com que direito, para que fins ?

A avaliação institucional

A avaliação institucional pode ser definida como uma prática inserida nas regras de funcionamento de uma organização e, por sua vez, impõe-se a seus membros, tanto avaliadores como avaliados.
A avaliação formal dos aprendizados e da conduta formal dos alunos é uma avaliação institucional, assim como a avaliação dos professores e dos outros funcionários, feita pelo governo ou pelo ambiente.
A noção se estende à avaliação de todo o sistema educacional e, também, aos programas e às políticas públicas.
A avaliação institucional assumiu uma dimensão crescente com o surgimento do New Public Management, sendo salientada uma preocupação em termos de eficiência e de regulação.

Num mundo ideal

Cada um tem objetivos claros e se esforça para atingí-los com eficácia e ética.
Assim, a ação é permanentemente avaliada, para que possam ser feitas as correções necessárias.
Quando os resultados não correspodem ao que se almeja, são colocadas em questão as próprias competências e maneira de executar a ação.
Se forem constatadas insuficiências, a curto prazo, o indivíduo que executa a ação solicita ajuda e, a médio prazo, se insere num processo de desenvolvimento profissional.
Como, num mundo ideal, a avaliação institucional não é necessária, a organização pode limitar-se a apoiar o desenvolvimento de cada um.

No mundo real do trabalho

Os diretores da organização acreditam, com ou sem razão, que nem todos os colaboradores têm a força ou a lucidez necessárias para reconhecer os limites de suas competências e aceitar fazer parte do problema.
Isto porque eles executam uma avaliação externa, com a intenção de garantir o funcionamento e os resultados.
Os profissionais e os subsistemas sabem, então, que são ou serão avaliados, às vezes com base em procedimentos e critérios anunciados, às vezes sem saber exatamente quando, como, por quem.

Ser ardiloso para ter um bom resultado

A partir do momento em que têm ciência de que são ou serão avaliados, os atores e os subsistemas elaboram estratégias para se protegerem de uma avaliação negativa.
A estratégia mais eficaz consiste, obviamente, em realizar perfeitamente o seu trabalho, mas essa estratégia é árdua.
E, sobretudo, ela só é praticável se as expectativas da organização levam em conta as condições do trabalho real.
Raramente, numa avaliação, é considerado o trabalho real, principalmente quando a direção da organização deve prestar contas a seus acionistas ou a seus eleitores, não podendo apresentar objetivos razoáveis sem decepcioná-los.

Atores condenados a ser ardilosos

Os atores individuais ou coletivos são levados a dar a impressão que trabalham melhor do que podem.
Para isso, eles devem conhecer os« indicadores de desempenho» que os avaliadores utilizam.
Os avaliados podem tentar enfraquecer a legitimidade desses indicadores, afirmando, por exemplo, que os resultados dos alunos não são índices confiáves da eficácia dos professores e das instituições.
Como é difícil desqualificar os indicadores, resta, por exemplo, a ilusão de preparar específicamente os alunos para provas padronizadas.
E depois, no final das contas, busca-se desculpas para explicar as defazagens.

Como a avaliação institucional pode impedir o desenvolvimento

Os esforços exigidos pela avaliação institucional demandam uma energia e um tempo que são subtraídos de outra coisa.
A organização é o ponto cego da avaliação.
A avaliação institucional desestimula qualquer transparência. Todo reconhecimento de dificuldade ou de fracasso pode se voltar contra aqueles que se arriscam ingenuamente.
A avaliação institucional se apodera da auto-avaliação tornando-a, ao mesmo tempo, obrigatória e perigosa.
A avaliação institucional coloca os atores e os sub-sistemas numa situação concorrência. Cada um protege os seus saberes.
A avaliação institucional se fundamenta no próprio desenvolvimento profissional e o normatiza!

1. Trabalhar para provar que se trabalha

Christophe Dejours mostra que nas instituições uma parte crescente do trabalho serve para provar que se trabalha e/ou para alimentar uma avaliação do desempenho.
Esta pressão, exercida principalmente sobre os diretores de estabelecimento, acarreta a coleta de uma ‘montanha’ de dados cujo destino final e razão de ser não são muito claros.
Cada vez mais, os atores têm a impressão que a informação principal não é aquela que lhes permite decidir com discernimento, mas a que deve ser transmitida aos superiores hierárquicos.
Vemos instaurar-se em certas burocracias uma dissociação mortífera entre o tratamento da informação e seu sentido: preenche-se formulários e relatórios para que não se tenha aborrecimentos.
Em paralelo, isso alimenta a impressão de que outros se encarregarão do comando, que basta “transmitir para instâncias superiores”.


2. A organização, ponto cego da avaliação institucional

A avaliação institucional se fundamenta, muitas vezes, no postulado que as tarefas são bem definidas, que o prescrito é racional, que a organização e a divisão do trabalho são devidamente pensadas, ou seja, aquilo que vem dos superiores hierárquicos não faz parte do problema.
Desta maneira, a regulação deve estar relacionada ao empenho dos trabalhadores, à sua compreensão das tarefas e dos procedimentos e às suas competências.
Evidenciar outros obstáculos, próprios do sistema, questionar os superiores hierárquicos e/ou a noosfera acaba sendo interpretrado como uma busca de desculpas.
Então, a prática reflexiva e a avaliação institucional podem entrar em conflito (rotinas defensivas).

3. Nunca admitam

Todo mundo « sabe » que o trabalho real nunca é a realização pura e simples do prescrito.
Todo mundo « sabe » que poucos operadores têm todas as competências necessárias e tem, permanentemente, condições de utilizá-las da melhor forma possível.
Todo mundo « sabe » que uma organização humana tem muitas de falhas que não a impedem de funcionar.
Mas a avaliação institucional « não quer saber» de nada disso, ela navega na ilusão da racionalidade ilimitada.
Tanto é que a constatação da mínima imperfeição pode colocar em perigo os trabalhadores.

4. A auto-avaliação confiscada

A avaliação institucional exige, muitas vezes, que os avaliados comecem se auto-avaliando, para conscientizar-se do que não funciona.
Consequentemente, o que deveria ser um procedimento autônomo se torna um pensum, um gênero literário em si que consiste em reconhecer algumas imperfeições, mas nada grave, numa lógica de confissão.
Nada impede, teoricamente, que os atores e os subsistemas façam uma auto-avaliação de uso externo e uma outra para uso próprio.
Mas o acúmulo de trabalho e o sentimento que essa auto-avaliação não tem sentido podem desestimular a participação nesse duplo processo.

5. Cada um por si

Apesar de não reconhecerem isso, os responsáveis pela avaliação institucional sabem que não há comprometimento com o impossível.
Então, inevitavelmente, eles comparam instituições e profissionais, para ter pontos de referência: uma instituição ou um profissional somente apresentarão uma « subperformance » em comparação com os outros.
O jogo vai, portanto, consistir em obter um melhor melhor resultado que os outros.
Vai consistir também em esconder a própria reflexão, em conduzí-la num circuito fechado, deixando os outros « se virarem » sozinhos.
Só se fala de organização aprendente, mas impede-se a circulação de constatações, de hipóteses, de soluções.

6. Desenvolvimento profissional avaliado

Os dirigentes das organizações têm plena consciência do papel essencial do desenvolvimento profissional.
Então, se eles não fizerem desta forma de investimento subjetivo uma norma, farão, no mínimo, com que seja uma postura valorizada na cultura interna.
A partir daí, o próximo passo será basear a avaliação institucional no próprio desenvolvimento profissional.
Tanto assim que, o que deve partir dos trabalhadores, da sua consciência profissional, da sua vontade de progredir, é definido como uma expectativa e mesmo um objeto de contrôle.
Desmunido da iniciativa de seu próprio desenvolvimento, o trabalhador pode ter um sentimento de indiferença.

Caricatura ?

Naturalmente, esses efeitos perversos não ocorrem em todas as partes com a sua amplitude máxima e não se conjugam sistematicamente para fazer da avaliação instutucional o maior obstáculo para o desenvolvimento profissional.
Saliento que descrevi a pior configuração, esperando que isso não caracterize todas as organizações.
Antes de tranquilizarmo-nos e propormos ferramentas de avaliação do desenvolvimento pessoal, compartilhemos por um instante as preocupações de Christophe Dejours, um especialista em sofrimento no trabalho.

Segundo Christophe Dejours

De acordo com a mentalidade vigente, tudo neste mundo poderia ser objeto de avaliação. Assim, o que se furta à avaliação seria suspeito de coluio com a mediocridade ou com o obscurantismo. O trabalho não escapa a esta lógica e sua avaliação objetiva está na base dos novos métodos de gestão, de administração e de organização do trabalho.
Porém, a investigação clínica do trabalho sugere que uma parte essencial da atividade humana provém de processos que não são observáveis e resistem, portanto, a toda avaliação objetiva. Fonte de dificuldades que aumentam a carga de trabalho, a avaliação dos desempenhos tem também efeitos perversos (sentimentos de injustiça ou condutas desleais entre colegas). Talvez uma boa parte do sofrimento e da patologia mental no mundo do trabalho esteja ligada às novas formas de avaliação.
Christophe Dejours (2003). L’évaluation du travail à l’épreuve du réel. Critique des fondements de l’évaluation. Dijon : INRA Éditions.

A análise sim, a avaliação não !

Dejours não se opõe à obsevação e à análise do trabalho, muito pelo contrário.
Como outros especialistas do trabalho, ele coloca essa observação e essa análise no cerne do processo de desenvolvimento profissional (concientização, prática reflexiva).
Mas não lhe parece urgente conceber essa observação e essa análise como processos de avaliação.
Principalmente porque são propostas permanentemente comparações com base numa norma de desempenho ou no desempenho dos outros trabalhadores ou das outras instituições.

Dilema

Somos capazes de dizer que, às vezes, o progresso é termos menos avaliação?
Isto não quer dizer termos menos lucidez, menos observação, menos análise, menos reflexão, menos julgamento.
Mas menos normas, comparações, classificações.
Aqui reside a questão das relações que os especialistas em avaliação estabelecem com a “cultura da avaliação”, que se impõe atualmente nos sistemas educacionais .
Não há desenvolvimento profissional sem lucidez, sem auto-avaliação, “entre intuição e instrumentação”.
Mas ajudar a organização a normatizar a avaliação com o pretexto de garantí-la, isso é um procedimento inteligente? E é esse o nosso papel ?

http://www.unige.ch/fapse/SSE/teachers/perrenoud/

Laboratoire Innovation-Formation-Education

LIFE

http://www.unige.ch/fapse/life

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