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domingo, 3 de janeiro de 2010

Poema de Bárbara Lia Brasil


imagem: achei na net, quem souber o autor, por favor, ajude-me a dar os créditos
A NOITE PERFUMADA DA MAGNÓLIA

No silêncio da noite a tela do computador enegrecida. Estava saturada do virtual. Queria o mundo real e sua respiração primeva. Tinha anseios de pisar de novo o chão, andar descalça como menina, andar sem medo da sujeira, sem medo de ferir a sola, sem medo.
Medo era a palavra do milênio.
Viver mergulhada em um mundo medroso era a angústia suprema.
No entanto, não via poetas escrevendo odes ao medo.
Estavam escondidos os poetas.
Em suas catacumbas ou em suas torres de marfim?
Andava a procura de um poeta maldito que subisse em um monumento e vociferasse um canto que fizesse mais alarde que o balé das pombas na Praça Santos Andrade.
A poesia escassa, o ar escasso, o amor escasso...
Sonhou percepções, ansiou-as como um doente terminal ao soro salvador.
Retirar da cartola lentamente as percepções primeiras.
Bebeu uma jarra inteira de suco de maracujá lembrando a exótica flor do maracujá no quintal da infância.
Bebeu cada estriada luz lilás dos filamentos da flor.
Respirou uma sinfonia de Beethoven, acendeu o incenso de eucalipto e desejou que o mundo todo pintasse o amor verde-azul, as noites estreladas de Van Gogh, a poesia em um quadro que a fizesse crer que era bem mais a vida que a ausência de ar e de poetas. Escrevia suas poesias em um livro de capa grossa azul que não mostrava a ninguém. Passou dias e dias bebendo poesias lembrando o tempo das percepções.

Primeira percepção: A noite é perfumada.

A menina Magnólia vivia como se fosse alma.
Hoje a realidade a prega no chão bruto, piso marrom manchado de vinho, janela com cortina bege e vista para o bairro.
Vista para a cidade cinza.
Magnólia sempre foi alma.
Sempre usou o corpo como um títere.
Manejava acima o enredo seu: escolhia a música e a poesia.
O corpo era instrumento amorfo.
Vivia com a alma.

Percepções.

A primeira percepção da menina – A noite é perfumada.

Respirava a noite.
Calçada estreita de cimento cinza e lateral de tijolos díspares como dentes encavalados.
A fila de tijolos ocres cercando a calçada cinza quase branca e acima dela mais brancas ainda as pequeninas flores e mais acima e mais brancas quiçá, as estrelas.
O perfume era imã para a felicidade.
De dentro da casa a luz não era irritante como as deste século.
Ligeiramente avermelhada como o brilho das sementes de romãs.
No rádio uma música de seresta, ou uma viola sertaneja.
A noite é perfumada.
Nunca soube se de mínimas flores ou de estrelas aquele perfume.
Mas guardou a imagem intacta na tela:
A menina magrela com vestido de babados de tecido anarruga branco.
Cabelos curtos, franja bonita na testa.
Saltitando entre uma chuva de pequenas pétalas em uma estreita calçada...
(...)
Segunda percepção – A luz se move

Vagalumes são faróis terrestres.
Siameses de estrelinhas verdes.
Espiões de meninas travessas.
Detrás das árvores de flores brancas eles abduziam Magnólia.
Piscavam, enfeitiçavam.
O luscofusco magnético fazia com que ela girasse em ciranda acompanhando a impossível luz.
Ninguém ensinou à Magnólia como colher vagalumes e estrelas.
A primeira vez que Magnólia entrou solenemente na vida, era esta a percepção:
Uma calçada clareada de chuva de mínimas flores brancas, uma janela com luz estranha lembrando o miolo de romãs e vagalumes distantes de seus dedos frágeis.
Magnólia colecionava palavras e não sabia qual a sua primeira palavra.
A mãe jamais dissera.
Por isto imaginava que sua primeira palavra tinha a ver com flor e luz e inseto que incendeia em luscofusco.
Talvez tenha sido um suspiro sua primeira palavra.
Ou uma interjeição.
Ah!
O que mais pode expressar o sentimento de inserção...
Talvez tivesse repetido o som da flor que cai suave e branca na calçada.
E este som era o prenúncio de que o paraíso está ali na esquina.
Andava com prenúncios de paraíso ouvindo o som da flor que cai.

Bárbara Lia Brasil (blog chapar das borboletas)

Assim é a poesia de Bárbara Lia: aquele encantamento de se poder visualizar a alma feminina na maravilha da poesia mulher: seu olhar, sua vida, alvos e errâncias, coisas e seres, tudo no redemoinho lírico de sua língua fêmea. (Luíz Alberto Machado)

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