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quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Educar e Cuidar na Educação Infantil


Educar versus Cuidar
Elizabeth Amorim

Bebê
Coisinha deficiente, inconsciente, inerme,
inválida, trabalhosa, querida.
Mário Quintana – Na volta da esquina


Eu educo ou cuido? Cuido e educo?
Afinal, qual é o meu papel?
Provavelmente você já se questionou frente a essa dúvida, principalmente se atende crianças até a faixa etária dos 3 anos.
Por muito tempo, a ênfase no cuidado dominou o atendimento nos programas de creches, enquanto os programas pré-escolares tinham o enfoque educacional
como predominância; portanto, o “divórcio”entre educar e cuidar apresenta
longa tradição no atendimento infantil.
Mesmo hoje, ainda vemos nomenclaturas distintas para atendimento de 0 a 3
anos e de 4 a 5 anos. Por isso, nos perguntamos:
Por que creche e pré-escola, e não somente educação infantil? Por que reafirmar essa divisão, se o que desejamos é exatamente o contrário?
Na realidade, a educação infantil atende crianças de 0 a 5 anos, e é isso que interessa. Crianças de origens diferenciadas, mas que têm em comum o “ser
criança”, que se assemelham em algumas características e que brincam, inventam e sonham.
Felizmente, os avanços nos estudos referentes à aprendizagem e ao desenvolvimento infantil comprovam ser a criança uma curiosa exploradora
do mundo físico e social. Desde bebês, as crianças são capazes de estabelecer relações significativas com os adultos e os companheiros numa variedade e complexidade bem maiores do que o constatado no passado. Igualmente percebemos a criança como um ser global, sejam quais forem às circunstâncias e situações, independentemente de classe social, raça ou quaisquer outras diferenças. A relevante integração entre educar e cuidar lembra-nos que as atividades rotineiras também auxiliam na construção da identidade de uma criança. O que essa integração – educar e cuidar – na realidade quer enfatizar é a relevância e o direito da criança de ser educada e cuidada. Não existe uma forma de atendimento que dicotomize o cuidar do educador na Educação Infantil. Deve haver uma perfeita sintonia entre o adulto – educador e cuidador – e a criança a ser educada e cuidada. Assim, em estado de harmonia, os momentos vividos serão prazerosos e promoverão múltiplas aprendizagens, motivo pelo qual se faz necessário proporcionar envolvimento e atividades compartilhadas, em que ora a iniciativa é do adulto, ora é da criança. A maneira de pensar e agir que associa cuidado e educação precisa permear todo o projeto pedagógico dos centros infantis. Isso significa, em outras palavras, que cuidar inclui também preocupar-se com a organização do Centro Infantil, de seus horários, de seus espaços e dos materiais.
Isto é, que seja um ambiente acolhedor e agradável, seguro e alegre, que possa
oferecer experiências ricas e adequadas para as crianças que ali convivem diariamente. O ambiente e os momentos podem ser planejados de modo que
oportunizem autonomia nas rotinas, como vestir-se e despir-se, proceder à
higiene das mãos e da boca, alimentar-se, etc. Cabe ao educador identificar em
cada uma dessas ações de cuidados as inúmeras possibilidades educativas. Por
exemplo, nessas ações que citamos, as crianças estarão experimentando a consistência dos materiais de higiene, a leveza das roupas e a espessura dos panos, as cores e os sabores dos alimentos.
Os cuidados com a saúde (higiene, alimentação, crescimento e desenvolvimento) são também educativos, constituindo-se em funções a serem
vivenciadas e executadas por crianças e educadores.
Todos os momentos vividos pela criança são educativos, na medida em
que ela está constantemente aprendendo, através da sua interação com o meio
que a rodeia. Dessa forma, as dimensões do cuidado relativo à alimentação, ao
sono, à higiene, à saúde, etc., são educativas sim! Quando trocar a fralda de um bebê, por exemplo, é importante conversar com ele, pois os olhos se encontram, há toque, sensação tátil e movimento; este é um momento de interação, momento de vínculo e aprendizagem. Por outro lado, quando você está com um grupo na faixa etária de 4 a 5 anos realizando a higiene que antecede o lanche, há diálogos sobre esse momento e sua necessidade, igualmente o contato com a água, quente ou fria, a fricção com a toalha. Novamente este é um momento educativo!
E o lanche então! Rico encontro social e de aprendizado em que partilhamos, vemos se há comida para todo mundo, diferenciamos alimentos, comparamos,
classificamos e assim por diante.
Outro aspecto importante a destacar é a expectativa que as famílias têm ao deixarem seus filhos nos Centros Infantis.
Almejam uma educação de qualidade, que promova o desenvolvimento
cognitivo e social, mas também esperam que seus filhos sejam bem cuidados e atendidos em suas necessidades básicas e de afeto. A educação e o cuidado são
uma necessidade e um direito da criança primeiramente, mas também das famílias que depositam confiança no trabalho que os centros realizam.
A maneira como você recebe, todos os dias, cada criança e tudo o que acontece
com vocês até a hora da saída são vivências que contribuem para o desenvolvimento infantil, são geradoras de conhecimento e, portanto, educativas.
Então, o conjunto de todas essas experiências que se interpenetram são,
intrinsecamente, educação e cuidado.
Nesse contexto, podemos hoje superar a cisão maléfica na atuação com a
criança; na realidade, jamais deveríamos utilizar separadamente esses dois termos e, por conseqüência, o sentido deles.
No educar, está “embutido” o cuidar, pois a instituição infantil possui um inequívoco caráter educacional, mesmo porque a criança tem não somente necessidade, mas também direito de ser cuidada e educada.
Definitivamente, devemos tirar de nossas mentes a dicotomia educar/cuidar;
somente assim não mais a verbalizaremos e, o que é mais importante,
estaremos integrando cuidado e educação em nossos fazeres cotidianos.
Sedimentando o que até agora discutimos, não podemos deixar de conceituar o
cuidado na sua dimensão maior, que o designa não como um ato isolado, mas,
antes, como uma atitude de zelo, preocupação, responsabilidade e envolvimento afetivo.
Ou seja, o cuidado envolve atenção e afeto, pois somente cuidamos daquilo que
gostamos e desejamos preservar.
O cuidado encontra-se na base da constituição do homem, já que sem ele
não seríamos humanos. Implica aconchego, afeto, ternura, sintonia e, sobretudo,
implica valorizar e importar-se, com o outro e com o mundo, não focando somente o valor utilitário, mas primordialmente a dimensão do respeito, da reciprocidade e da complementaridade existente entre tudo e todos.
Concluindo – ou resumindo – as idéias aqui expostas, reiteramos enfaticamente
a necessidade de se ter claro que, na instituição infantil, todas as tarefas, brincadeiras e atividades realizadas têm valor educativo e envolvem cuidado.

Referências Bibliográficas
AMORIM, Elizabeth. A dimensão do cuidado essencial no fazer
pedagógico infantil como exigência primeira na construção da
cidadania planetária. Dissertação de Mestrado. São Leopoldo,
Faculdade de Educação da UNISINOS, 2002.
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão
pela terra. 6.ed. Petrópolis Vozes, 2000.
CHALITA, Gabriel. Educação: a solução está no afeto. São Paulo:
Gente, 2001.
DIDONET, Vital. Não há educação sem cuidado. Porto Alegre,
Pátio Educação Infantil, n.1, . p. 6-9 abr/jul. 2003.
HADDAD, Lenira. A ecologia do atendimento infantil:
construindo um modelo e sistema unificado de cuidado e
educação. Tese de Doutorado. São Paulo, Faculdade de Educação
da USP, 1997.
KULISZ, Beatriz. Prática pedagógica na educação infantil:
indicações para a construção de um referencial pedagógico.
Dissertação de Mestrado. Porto Alegre, Faculdade de Educação da
PUCRS, 2001.
ROSSETTI-FERREIRA, Maria Clotilde. A necessária associação
entre educar e cuidar. Porto Alegre, Pátio Educação Infantil, n.1,
p.10-12, abr./jul. 2003.
Série Fundo do Milênio para a Primeira Infância
Cadernos Pedagógicos – volume 4

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